É tudo sobre a nossa intensidade insana. Desde os choros em meio à madrugada até as estrelas que adotamos antes mesmo de nascermos. Sei que às vezes você chora porque o que é bonito nos consome demais. Nossos gostos cresceram revirados para os medos. Os dramas, as desolações, os espetáculos psicodélicos e o amor. Não há nada que nos impeça de sentir à flor da pele. Pergunto-me se está mesmo certa a nossa juventude, se toda essa nossa consciência do que é mundo veio prematura. Ainda que existam outras saídas, ninguém será tão sublime e tão errado quanto a gente.
Amar? Amar é politicamente incorreto. Sem cautelas, sem orgulho, sem qualquer prioridade mais importante. Amar não tem nada a ver com regionalismos, com horários de trabalho, com regras de suba-após-preencher-o-formulário. As sacolas cheias de ameixas nas mãos, as meias encharcadas de chuva e de alegria nos nossos pés que corriam ao longo da avenida. A nossa sorte é nossa esperança.
— Há muito tempo não chovia assim, Miguel. É tudo porque você tá indo amanhã. Sempre vai.
— Não é questão de ir, amor. Eu sempre volto pra você.
Com menos bagagens, mas as mesmas escalas. O vento nos sente em frente à janela depois de despistarmos todos os guardas, todos os finais, os recepcionistas e as saudades. Mesmo com o silêncio, estaremos vivos de novo. Você vai deixar seus óculos escuros no criado-mudo e eu vou sentir falta de uma época que a gente deveria ter provado. Um folk, uma música na mente, um mundo novo. Um Raul Seixas sem história, só letra.
— Corta mesmo meu cabelo, amor? Eu trouxe a tesoura.
— Corto, Clarisse. Mas como é que você quer?
— Uma franja. Você corta reto aqui, mas aqui dos lados você vai deixando mais comprido, sabe? Pra ela ficar um pouco arredondada. Uma franja meia-lua.
— Tá querendo ficar com a cabeça na lua, amor?
— Não, é o nome mesmo! Franja meia-lua. Você corta aqui embaixo das sobrancelhas.
— Uhum. Tipo a menina de Os Famosos e Os Duendes da Morte?
— Isso. Tipo a Tuane. Tipo a Cat Power também.
— Corto, Clarisse.
E ser ainda mais interno, ainda mais fervoroso, o nosso jeito de se conectar. Confiaremos de todas as formas possíveis, pois estamos muito longe daqui. No âmago de nossas feridas, existirá aquele incompreensível cansaço pelas coisas que habitam o lado de fora. Precisaremos um do outro, e apenas disso. Só assim liberdade. Só assim realmente seremos nós mesmos. No quarto, um Bob Dylan no volume máximo, som refletido nas paredes para abafar meus gemidos... Play a song for me. In the jingle jangle morning I'll come followin' you.
Nosso encontro será para sempre poetizado nos braços da canção que o mundo compôs quando nos percebeu.
— Corta mesmo meu cabelo, amor? Eu trouxe a tesoura.
— Corto, Clarisse. Mas como é que você quer?
— Uma franja. Você corta reto aqui, mas aqui dos lados você vai deixando mais comprido, sabe? Pra ela ficar um pouco arredondada. Uma franja meia-lua.
— Tá querendo ficar com a cabeça na lua, amor?
— Não, é o nome mesmo! Franja meia-lua. Você corta aqui embaixo das sobrancelhas.
— Uhum. Tipo a menina de Os Famosos e Os Duendes da Morte?
— Isso. Tipo a Tuane. Tipo a Cat Power também.
— Corto, Clarisse.
E ser ainda mais interno, ainda mais fervoroso, o nosso jeito de se conectar. Confiaremos de todas as formas possíveis, pois estamos muito longe daqui. No âmago de nossas feridas, existirá aquele incompreensível cansaço pelas coisas que habitam o lado de fora. Precisaremos um do outro, e apenas disso. Só assim liberdade. Só assim realmente seremos nós mesmos. No quarto, um Bob Dylan no volume máximo, som refletido nas paredes para abafar meus gemidos... Play a song for me. In the jingle jangle morning I'll come followin' you.
Nosso encontro será para sempre poetizado nos braços da canção que o mundo compôs quando nos percebeu.
Mariane Cardoso
"Desculpe-me, se tardo a chegar, mas é sempre difícil sair do porão de meus pesadelos. Eu sinto que me espera. No canto do Atlântico Sul ou no saguão do aeroporto, sob estrelas ou sob meu corpo, apertando a saudade ou me apertando na parede."
ResponderExcluirQue saudade, meu amor...
Que gostoso de ler (: Esse texto é tão... você...
ResponderExcluirVocê está sempre me emocionando com os seus textos, Mari. Eu sinto cada palavra sua e elas me fazem chorar, não por estar triste, mas porque cada silaba me toca e me faz querer fujir. Parabéns pela artista que você é!
ResponderExcluirvero ... uma volta ao tempo por vezes é legal e prazeroso ...
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