Nenhum outro vai saber dos sons que se formam e
o porquê de você sorrir com a mesma palavra que
faz o outro chorar. A gente vive pra ser secreta,
transposição e transbordamento, além da risca de
giz no nosso próprio telhado que goteja e inunda o
quarto trancado. E tudo isso vai morrer em segredo.


Une cruel incompréhension...



'

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Forever Young

      É tudo sobre a nossa intensidade insana. Desde os choros em meio à madrugada até as estrelas que adotamos antes mesmo de nascermos. Sei que às vezes você chora porque o que é bonito nos consome demais. Nossos gostos cresceram revirados para os medos. Os dramas, as desolações, os espetáculos psicodélicos e o amor. Não há nada que nos impeça de sentir à flor da pele. Pergunto-me se está mesmo certa a nossa juventude, se toda essa nossa consciência do que é mundo veio prematura. Ainda que existam outras saídas, ninguém será tão sublime e tão errado quanto a gente.

      Amar? Amar é politicamente incorreto. Sem cautelas, sem orgulho, sem qualquer prioridade mais importante. Amar não tem nada a ver com regionalismos, com horários de trabalho, com regras de suba-após-preencher-o-formulário. As sacolas cheias de ameixas nas mãos, as meias encharcadas de chuva e de alegria nos nossos pés que corriam ao longo da avenida. A nossa sorte é nossa esperança.

      — Há muito tempo não chovia assim, Miguel. É tudo porque você tá indo amanhã. Sempre vai.
      — Não é questão de ir, amor. Eu sempre volto pra você.

      Com menos bagagens, mas as mesmas escalas. O vento nos sente em frente à janela depois de despistarmos todos os guardas, todos os finais, os recepcionistas e as saudades. Mesmo com o silêncio, estaremos vivos de novo. Você vai deixar seus óculos escuros no criado-mudo e eu vou sentir falta de uma época que a gente deveria ter provado. Um folk, uma música na mente, um mundo novo. Um Raul Seixas sem história, só letra.

     — Corta mesmo meu cabelo, amor? Eu trouxe a tesoura.
     — Corto, Clarisse. Mas como é que você quer?
    — Uma franja. Você corta reto aqui, mas aqui dos lados você vai deixando mais comprido, sabe? Pra ela ficar um pouco arredondada. Uma franja meia-lua.
     — Tá querendo ficar com a cabeça na lua, amor?
     — Não, é o nome mesmo! Franja meia-lua. Você corta aqui embaixo das sobrancelhas.
     — Uhum. Tipo a menina de Os Famosos e Os Duendes da Morte?
     — Isso. Tipo a Tuane. Tipo a Cat Power também.
     — Corto, Clarisse.

     E ser ainda mais interno, ainda mais fervoroso, o nosso jeito de se conectar. Confiaremos de todas as formas possíveis, pois estamos muito longe daqui. No âmago de nossas feridas, existirá aquele incompreensível cansaço pelas coisas que habitam o lado de fora. Precisaremos um do outro, e apenas disso. Só assim liberdade. Só assim realmente seremos nós mesmos. No quarto, um Bob Dylan no volume máximo, som refletido nas paredes para abafar meus gemidos... Play a song for me. In the jingle jangle morning I'll come followin' you.

     Nosso encontro será para sempre poetizado nos braços da canção que o mundo compôs quando nos percebeu.

Mariane Cardoso

4 comentários:

  1. "Desculpe-me, se tardo a chegar, mas é sempre difícil sair do porão de meus pesadelos. Eu sinto que me espera. No canto do Atlântico Sul ou no saguão do aeroporto, sob estrelas ou sob meu corpo, apertando a saudade ou me apertando na parede."

    Que saudade, meu amor...

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  2. Que gostoso de ler (: Esse texto é tão... você...

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  3. Você está sempre me emocionando com os seus textos, Mari. Eu sinto cada palavra sua e elas me fazem chorar, não por estar triste, mas porque cada silaba me toca e me faz querer fujir. Parabéns pela artista que você é!

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  4. vero ... uma volta ao tempo por vezes é legal e prazeroso ...

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Alguma luz
vai escapando
e só eu
sinto.

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18. Menos artista, mais idosa. O prefácio, o retórico, o histórico, o profético, o pró, o fétido, o esplendor e tudo mais o que cabe no poético.