Nenhum outro vai saber dos sons que se formam e
o porquê de você sorrir com a mesma palavra que
faz o outro chorar. A gente vive pra ser secreta,
transposição e transbordamento, além da risca de
giz no nosso próprio telhado que goteja e inunda o
quarto trancado. E tudo isso vai morrer em segredo.


Une cruel incompréhension...



'

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sobre o reflexo (medo) no espelho

— Me explica, bebê.

— É como estar se desprendendo. E isso implica em arrancar, como se fosse uma camada velha da sua pele. Caem centenas de células o tempo inteiro, e cada uma carrega uma parte de mim. Uma parte que vira um passado cheio de inocência e de arrependimentos também. Mas é um passado bonito, não deixa de ser. E aí eu me deparo com uma pessoa totalmente diferente no espelho, isso me assusta e ao mesmo tempo me acalma. Como se fosse uma mulher que tomasse o lugar e as rédeas. Uma pessoa mais corajosa.

— Como no sonho dos cavalos e do espelho! Fatalmente nos tornaremos aquela mulher que não chora por nada, mas dentro, aquela lágrima... Que carrega o peso de todas as outras, todas as fotografias que você viu sendo mastigadas. Não sei se isso é bom. Lembra do Robert?

— Lembro sim.

— Ele ia experimentando tudo, mesmo o que fazia mal, e a cada vez que ele experimentava, ele queria "subir de nível", e se maltratar mais ainda, mais ainda... Pra ver até onde ele podia chegar. E somos iguais a ele.

— É o que a gente anda fazendo... Pagando pra ver.

— Que bom que tá com medo, bebê. Você precisa disso, igual a mim.

— Isso é uma coisa boa. Aliás, mais que isso. Porque... Eu não consigo me ver em uma vida que corra para longe dos traços do Robert e tantos outros.

— Só não quero que a gente tenha o mesmo fim que ele.

— Não teremos.

— Como sabe?

— Porque eu enxergo a Patti. O tempo todo. Um faz parte do outro. O Robert é a parte mais destrutiva que a gente tem aqui dentro. Ele é quem nos força a abrir a janela e sentir vontade de pular só pra sentir o vento contra o rosto e a liberdade. Mas a Patti é quem corre, entende? Ela sente o vento do mesmo jeito e consegue permanecer inteira.

— Mas... Às vezes sinto vergonha por não ser como ele. Queria saber como é não medir consequências, agir com instinto, sabe? É disso que somos feitos, desde o princípio. Por que a gente não caminha por esse caminho?

— Eu também sinto. Porque isso nos torna um pouco mais covarde, e a covardia é vergonhosa. Afinal de contas, de que vale uma vida se não podemos vivê-la de maneira heroica?

— Eu sei que pessoas assim terão fins horríveis, mas eu queria não saber disso, ou fingir que não sei, e não consigo.

— O Kurt se suicidou, o Robert morreu da mesma forma que o Cazuza e o Renato... E eu choro às vezes por não ter a resposta para essas indagações.

— Queria tanto que eles voltassem pra dizer se valeu a pena, queria tanto que alguém me dissesse ou que eu tivesse coragem pra descobrir sozinha.

Em uma conversa com Isla Cezzani.

2 comentários:

  1. não sei que nome assinar25 de junho de 2012 às 02:43

    Às vezes tenho vontade te agradecer por ainda nos abençoar com seus escritos. Às vezes tenho vontade te pedir desculpas pelos que não conseguem, ou não sabem, ou nem tentam te sentir, mas logo penso que não é fácil, ou não é escolha. Sente quem sente, sente quem sente. Penso em escrever uma carta te agradecendo, enviar para Paris, anos 30. São tantas coisas que eu tenho pra te falar e nada, que até poderia escrever uma carta. Mas me perco no papel, acabo entrando em desordem e esquecendo o objetivo. E os sentimentos do papel não são como esses que meus olhos nutrem e sangram, ao ler o que você expõe. Eu procuro a luz que só você sente, mas não deveria te contar. Não fique com medo, eu não vou encontrá-la. Só posso vê-la em você. É linda.
    (Ainda não li esse texto, mas vou te mandar mensagem por ele. Parece uma página em branco)

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Alguma luz
vai escapando
e só eu
sinto.

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18. Menos artista, mais idosa. O prefácio, o retórico, o histórico, o profético, o pró, o fétido, o esplendor e tudo mais o que cabe no poético.