Eu queria saber como você cresceu. Ter fotografias com você de quando os dentes de leite faltavam. Agora é noite, mas nem por isso deixa de ser cedo. Gostaria de ter mentido um pouco mais sobre a nossa história, de mentir da minha alegria e do meu sucesso. Mas a verdade é que nunca vagamos por nada disso. Conseguimos conversar uma madrugada toda, mas ainda faltará.
Falta muita coisa. Você sempre sabe quando o tempo é de ir embora, por exemplo. Mas você nunca vai. Eu também morro de medo que você vá. Há uma sensação de frio quando os olhos focam lá fora, de ruas desertas e árvores nuas. Há uma rejeição a todos os sóis que se negam a nascer, e mesmo assim eles não nascem com mais frequência. Onde foi parar a coragem?
Às vezes, algo banal me faz dormir de janela fechada. Mas, outras vezes, é esse medo que força. Eu não mandaria voltar alguém que trocou de cidade sem deixar notícias, alguém que enfraqueceu todos os antigos e covardes vínculos. Eu não faria o mesmo, mas entendo quando isso acontece. Eu entendo. Nunca é o bastante se perder, é preciso um pouco mais. E sei que de longe você concorda.
Hoje eu descobri que na rodovia, perto do pedaço onde os eucaliptos tumultuam, existe uma entrada que segue em linha reta até dar em um campo de flores. Na verdade, um morro com uma árvore solitária que vai se acabando quando começam os girassóis. Um tapete de girassóis. É aí que a gente vive de novo. Ainda existe espaço nesse mundo para um campo de girassóis, sim. Essas coisas me intrigam. Depois falei que precisava tirar uma foto nesse lugar, mas ela tinha que ser triste. Poucas pessoas entendem a ligação direta entre tristeza e percepção como você entende. Você sabe aquilo que eu sei. Você sente aquilo que eu sinto. Poucas pessoas trocariam cem risadas por 1% a mais de sensibilidade como nós trocaríamos.
E trocaríamos sem duvidar. Nunca é o bastante sentir, é preciso sempre um pouco mais.
Mariane Cardoso
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