Dos homens se fazia a ilusão de que qualquer outra distração era o bastante para valer o dia. Assim era a nossa saudade: um quarto cheio de tralhas pelo piso, uma janela emperrada e talvez os fantasmas passeando pelas quinas de paredes, corroendo as próprias ansiedades e passando de um lado a outro como nós mesmos passamos por medo. Treinados à ferro quente e inconscientemente medrosos porque a saudade não atira para o lado certo.
É verdade que o amor pode ficar lúcido? É verdade que o amor pode ser cronometrado e existem muitas formas de cansaço que petrificam a nossa astúcia? Me disseram que você não canta mais como antes. Verdade? É justamente a última saudade que eu tenho. Quando você cantava, a gente podia ter certeza de um turbilhão de mistérios. Porque parecia que você sufocava em cada nota. Quando a gente canta, a gente morre. Quando a gente escreve, quando a gente dança, quando a gente é arte de verdade, a gente morre. Muita gente desaprende a ser de verdade e parece que o amor pode ficar congelado na falta de morte. E você nem canta mais. Onde está a nossa vida pós-existência-física? Era justamente uma das lembranças mais bonitas que eu tinha.
Agora nem a saudade nos sufoca. Estamos fadados à lucidez, meu caro. Estamos fadados à aniquilação.
Mariane Cardoso
Que lindo Mari ):
ResponderExcluirQue lindoo...