O valor de uma cadeira surrada era mínimo, mas quando João sentava, o mundo era outro. Trazia os olhos negros de tão tristes, a boca sorridente de tão cansada, traços bons de se descobrir para quem tem coragem de bater de frente com a acidez. Pois era ácido, o homem, também corroído pelo próprio coração. Ele puxava a cadeira arrastando os pés pelo chão, desfiando metros com um barulho sufocante até parar em frente à janela. Sentava e era de novo um milionário, com seu penúltimo cigarro na boca a fitar a rua, a infinita rua e o infinito penúltimo cigarro. Não parava nunca. O cigarro - digo. Mas a rua também. João não sabia se conter com o silêncio da noite e com a turbulência do meio-dia. Era na sua cadeira - com o seu cigarro compromissado, os seus olhos encobertos e lacrimejantes, seus pés impacientes que balançavam rápido rente ao chão bem mais adiantados que a voz de Kurt no som na sala - que João desvendava os profundos medos. E se feria por vício. Também não aprendeu a dosar.
O telefone toca seis vezes e ele não atende. João pega outro cigarro do bolso e descumpre a promessa: chora, porque o telefone parece um invasor. Tudo o que quer é a solidão, segura e constante. Branca liga uma, duas, três vezes. Desiste. Sente tanto quanto ele. Sabe que ele não vai ler, mas ainda assim, escreve no vento uma ordem, aquela de "a gente tem que parar", querendo que ele seja valente, que ele esfole aquele peito e mostre de novo como é que se queima a ponta dos dedos e a garganta com a agonia presa de um soldado repleto de desorganização. Mas que seja a última vez. Você precisa acreditar em ser feliz, João. E ela querendo que ele volte atrás, mas reconhecendo que não. Sem chuva de fim de tarde é a rua. Sem tulipas crescendo no asfalto. A única prisão da luz era essa, e não conservava a esperança. Pelo contrário, estrangulava as alegrias. Pegava outro cigarro, e outro, e outro, pois eram pensamentos sem fim do quanto existe ao redor... Majoritariamente, tristeza.
A gente precisa parar, João. Também não sei se isso mata. Não podemos arriscar.
Perdão. Jogarei fora todas as nossas canetas.
(Mariane Cardoso)
AMEI ! foi uma pena teres terminado o tumblr, eu era uma grande fã *-*
ResponderExcluirbom, também gosto do blog, está lindo e tens muito jeito para escrever, parabéns (:
sigo-te querida, segues-me? obrigada fofa xD
Você conseguindo me envolver como quem enrola um cigarro. E dois.
ResponderExcluirE sempre.
Se isso mata eu não sei também, mas morrer um pouco a cada dia é agoniante demais. Gosto de sentir agonia. Me sinto mais vivo por estar morto dentro de mim mesmo. Assassinando pessoas por aí.
ResponderExcluirSe morrer de solidão é dádiva, gostaria de presentear o João. Merece, o homem.
ResponderExcluirSaudades Za ._.