Nenhum outro vai saber dos sons que se formam e
o porquê de você sorrir com a mesma palavra que
faz o outro chorar. A gente vive pra ser secreta,
transposição e transbordamento, além da risca de
giz no nosso próprio telhado que goteja e inunda o
quarto trancado. E tudo isso vai morrer em segredo.


Une cruel incompréhension...



'

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Miguel


"Essa não é mais uma história de amor.
Essa é a história do Amor."



      Seu cheiro é o cheiro do nascimento de quatro universos. Suponho que o céu, que é o mesmo para nós dois, esteja passando por seus olhos, entregando meus ventos e o beijo que mando pela janela, que me faz silenciar o condomínio inteiro para me ver sentir saudade, que me torna exposta e invariavelmente divertida ao conversar com nuvens à sua procura enquanto todo mundo me vigia pelo vidro. Eu entrego que te amo sem disfarce. Me entrego, me rendo como me rendi sem fazer contas e, em mais setenta vezes que me esperam, serei rendida com gosto de vitória na boca, com gosto da sua saliva que é sonho e acrobacia no meu lábio inferior mordido. Seu cheiro de herói e de príncipe-da-flor se espalha pela casa como o próprio ar, meu ar. Respiro e tenho você fixado por dentro em todas as extremidades. Hoje, tive o esplendor de te tocar.

      Miguel,
      Erramos ao dizer que não éramos brasa. 

      Tudo começa com o abismo. Eu falo três vezes antes das três da madrugada que o abismo é bom, mas você não me responde, pois se ocupa em chamar meu nome. Porque é sua voz se encaixando tão bem na minha pele que garante o meu sustento, dormir tranquila sem correr perigo, sem fugir do quarto ou encarar as paredes. Eu não me sinto presa se for no seu peito. A mão afogada no cabelo, você rouba meu sono assim como o inverno rouba os passarinhos, assim como o outono rouba as folhas. E o amor rouba a morte. Então, é naquela conversa de novo, nariz com nariz, você me contando como é se reconhecer perdido, se reconhecer desatado, se desconhecer, me chamando desde sempre para o abismo esquecido no silêncio, que eu confesso. Posso ser seu mar, mas foi a sua maré quem me trouxe até aqui.

      A surpresa de entender os relógios parados foi grande. E, logo nós dois, que sempre tivemos medo do tempo, que reclamávamos dos ponteiros atacando número por número, pôr-do-sol por pôr-do-sol, sem trégua e bandeira branca, logo nós dois... Fomos os encarregados de levantar o emblema do reino. Por pura sorte. Destino e maldição, bênção - pois somos o inteiro - de outras vidas. O reino do seu beijo que se forma apenas na minha boca. Logo nós dois, meu amor. Nós somos a linha de divisão do mundo e todos os elementos fundamentais estão parados à nossa espera. Não há tempo, verdade ou lugar. Não há nada de essencialmente certo enquanto os poucos meses nos aguardam para que, enfim, consolidemos o amor. E o amor, meu amor, parece refém nas nossas mãos. Está apaixonado pelo nosso reino.

      Você virou mago comigo. Do beija-flor até o anjo. E os dois juntos eu abraço de olhos fechados, ecoando mais que as serras frias, desmanchando mais que a nossa cumplicidade em brasa. Você empunha as espadas, é sempre a guerra, a mesma, com caminhos e vírgulas diferentes. Sinto vontade de puxar pelo seu braço e virar serpentina, Miguel. Me enrolar em seus cachos enquanto a Estrela D'Alva estiver acima do teto a nos espiar, à procura das migalhas que deixamos transparecer nos suspiros, nos choros e nos êxtases. Enquanto os bandidos do céu, em peso, vão nos buscando para capturar um pouco desse amor que se enfiou por nossos poros e não quer, não vai, não tem por onde, não cogita sair. Ser Real também nos cobra a generosidade, dividir e espalhar a beleza com nosso laço, e a vulnerabilidade para com os enigmas do nosso teto, tão caótico quanto a claridade debaixo da nossa cama.

     Eu tenho essa necessidade de ser sua. "Para que só em mim seja provado o quanto corta uma espada num rendido", é o que diz o quinto parágrafo da página onde escondi seu cheiro.

      O seu queixo no meu ombro traduz uma infinidade de revelações que talvez nem a chuva seja capaz de descobrir, nem os alecrins quando se perdem no campo de rosas brancas. A loucura que brota da tristeza, a tristeza que brota do amor, o amor que brota de nós, é tudo um ciclo. Sem choques ou quinas onde machucar. E eu te espero para ouvir os segredos das conchas que fugiram dos meus cabelos para se alojarem em seu ouvido. Dito mais uma declaração, prometo setecentas. Eu te amo tal qual se ama num buraco negro, capturando cada detalhe, existindo em outro plano, florescendo ao pé da porta. Ou ao pé do seu pescoço. Ou do seu pulso. Cheirando até ser eternamente bêbada. Miguel, agora a bandeira vai amarrada na minha cintura. Só porque é a gente. O cobre das chaves é nosso, meu amor. E as portas do reino estão todas guardadas sob as asas.

      Perdidamente,
                                                                                                                                         Clarisse.
                                                                                                                                   Eterna por ser sua.



      (Mariane Cardoso)
     

7 comentários:

  1. E quando "Eu te amo" não é suficiente? Mar, meu mar, meu eterno e grandioso mar, não sei quem presentou a gente pela primeira vez com todo esse amor, mas... Fez bem. Só a gente suportaria tudo isso. Há quem diga que fomos feitos um para o outro, eu discordo. Acho que fomos feitos um do outro. Assim mesmo, divididinhos, meio a meio, queixo no ombro, mão na mão. Eu te transbordo, meu amor. Guardarei todo o cheiro que em mim surgir para te dar. Só o seu nariz sabe apreciar e caminhar em cada pedaço de mim. Eu te amo.

    ResponderExcluir
  2. Quando eu leio as cartas que tu escreve para o seu Miguel, e quando leio as cartas que o Adriano escreve para a sua Clarisse, sinto quase como se estivesse no meio da história de vocês. Quase uma invasora, parece que estou bisbilhotando. Sempre senti isso, precisava dizer. O sentimento é tão claro, o amor de vocês... Ah, eu sou uma fã dos teus escritos. AUSHAUHSA Fica bem Mari.

    ResponderExcluir
  3. Assim, dá até vontade de amar. Não amar simplesmente, mas amar em buracos negros, em profundidades desconhecidas, em laços apertados. Dá vontade de sair da solidão e ir ver o sol brilhar com um sorriso me esperando.
    (...) Dá vontade.





    Saudade Zalu '-'

    ResponderExcluir
  4. Querida Mariane,
    impressionante o quanto suas palavras são bonitas! Eu já te disse isso milhares e milhares de vezes, mas não custa repetir.
    Seu "Miguel" é um cara de sorte por ser o destinatário de palavras tão doces e gostosas de serem lidas.
    Sinto sua falta, menina.
    Um beijo.

    ResponderExcluir
  5. Oi... te achei por indicação da Brenda, do Tumblr verbos diversos, estou lendo os teus escritos (obviamente) leia os meus também =) O meu blog ativo é o diario de um louco, é só você entrar pelo meu perfil. Abraços.

    ResponderExcluir
  6. Lindo como sempre, igual à escritora *-* Ai Mari guardei tua ultima ask com todo o carinho, tu também está guardadinha em mim viu?
    Continue alcançando os corações com essas palavras! Um beijo.

    ResponderExcluir
  7. Você consegue transmitir o amor de uma forma tão __________, e faz com que quem tá aqui lendo, a cada palavra, sentir desejo de amar.

    ResponderExcluir

Alguma luz
vai escapando
e só eu
sinto.

Quem sou eu

Minha foto
18. Menos artista, mais idosa. O prefácio, o retórico, o histórico, o profético, o pró, o fétido, o esplendor e tudo mais o que cabe no poético.