Nenhum outro vai saber dos sons que se formam e
o porquê de você sorrir com a mesma palavra que
faz o outro chorar. A gente vive pra ser secreta,
transposição e transbordamento, além da risca de
giz no nosso próprio telhado que goteja e inunda o
quarto trancado. E tudo isso vai morrer em segredo.


Une cruel incompréhension...



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domingo, 16 de dezembro de 2012

              "Talvez me tenha acontecido uma compreensão tão total quanto uma ignorância, e dela eu venha a sair intocada e inocente como antes."
Clarice Lispector



     Quebrando a escuridão  é assim que revivo e que abraço outra vez o mundo como meu.
     Voltando de Sodoma e Gomorra, de Atlanta.
     Voltando das tórridas áreas da África onde Rimbaud mancou enquanto decifrava os homens em sua bela e pura forma descivilizada.
     Quebrando a escuridão e também a natureza dos sábios do silêncio e dos mistérios ― é assim que correm outra vez pela escrita meus dedos sujos de amor e espanto.

     Sei agora que é pelos períodos de sonambulismo que os homens vivem, quando não consideram nada absurdo ou relevante. É por esses hiatos de inanimação mental que a natureza se mantém.
     O caos maior ainda é tentar entender que se vive, é tentar permanecer na batida desritmada do que não se fragmenta e não pode ser absorvido. Por isso ando ausente. Como os boêmios que não fazem música. Circenses que dormem ao dia.
     Por isso tenho pensado em abster-me dos fenômenos e apenas vagar, como um Plutão fora de órbita. Como uma nau perdida um minuto depois de navegar pelo Cabo das Tormentas. Como você que apaga as luzes depois que a música começa.

     Eis a falsa harmonia; a multiface da existência.
     Eu sou eu enquanto estou em silêncio. Mas entender-se é o que define a forma da paixão dos seres.
     E já não sou mais enquanto escrevo. Sou apenas e grandiosamente uma comunhão com o universo.

     A célula-tronco que em mim vibra. O célebre hino que os cidadãos cantam. A celeste estadia dos cinturões. São essas as coisas que tento incorporar e que fogem enquanto digo. Como espumas. Como espasmos.
     Mas isso já me é antigo. Era de antes. Era do corpo em que eu nasci.

     Me vem Ginsberg, então, na mente, gemendo, "e a alma sobe feliz até o olho".

     Sim, sim, eu voltei de Sodoma e Gomorra.
    Eu era uma esperança flácida e decadente, flutuando como penas de blackbirds sobre o rio perene.
    Eu era falante, exprimível ― Não. Eu imaginava ser. Algo sempre morre na garganta sem atingir a iluminação divina.
     Por isso é necessário um certo luto. Um período de mudo: um período de cego. Sentindo a beat.
     Para depois resgatar o que se entende.

     E entendo. Sei outra vez como o espaço é simultâneo, como é multicor, e como estou ao léu. 
     Deus, deixa-me com minha voz. Deixa-me com minha angústia e o dom que padeço usar.
     Sim, eu voltei ao meu fundamento.



Mariane Cardoso

P.S.:  Desculpem a minha demora e a falta de notícias. E obrigada, de coração,  por continuarem sempre presentes.

5 comentários:

  1. Ultimamente quando leio uma junção de belas palavras fico sem saber o que escrever. É como se as palavras que me absorvessem, e não eu a elas. Lindo Mari. Beijo de luz! (:

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  2. Não suma mais.
    Fiquei tão feliz em ver um outro texto seu...

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  3. Você é linda guria! Permaneça!

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  4. Que bom que você voltou, a aflição já estava tomando conta de mim. Espero que esteja tudo bem por aí, você fez falta! -23

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Alguma luz
vai escapando
e só eu
sinto.

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18. Menos artista, mais idosa. O prefácio, o retórico, o histórico, o profético, o pró, o fétido, o esplendor e tudo mais o que cabe no poético.