Nenhum outro vai saber dos sons que se formam e
o porquê de você sorrir com a mesma palavra que
faz o outro chorar. A gente vive pra ser secreta,
transposição e transbordamento, além da risca de
giz no nosso próprio telhado que goteja e inunda o
quarto trancado. E tudo isso vai morrer em segredo.


Une cruel incompréhension...



'

terça-feira, 1 de maio de 2012

Nossa involução e mais uns carretéis.


     Respiro. Sob a palidez do nosso teto, às vezes posso reviver. Há quem diga que dois passos fora de casa podem ser definitivos, que três serão fatais. Por isso, os viajantes acabarão morrendo de tédio, os sonhadores acabarão morrendo de Terra e as meninas que comem flores acabarão morrendo de fome.

     Os mesmos tijolos nos sufocam o dia de hoje. O meu sentimento sai azul. O teto é pálido e constante como as mãos brancas que o tempo me deu, mas meu pensamento bombeia entre o desgaste e a euforia. Respiro pensando nos corpos, nas mazelas, nos meninos correndo sobre a areia, nas velhas querendo voltar para casa, nas nossas vontades escandalosamente gritadas para dentro e só para dentro. A liberdade é um ______ nunca compatível. Mas meu sentimento segue azul como azul é o mundo.

     Eu sei fingir que não estou. E finjo. Fujo em busca das correntes de ventos fortes, tatuagens invisíveis que percorrem cada segundo do meu desligamento. Eu sei contar em segredo sobre todas as órbitas dos sonhadores, mas meu sonho parece pequeno e bárbaro, eis que é de longe, de fora e de um outro lado. Meu sonho habita o além do céu onde o vento morre. E eu estou fechada em tetos e paredes brancas, em ruas de asfalto e prédios de aço, megalópoles de cinzas. Mas meu sentimento sai azul e estrela o céu. Só que o céu não é o mesmo todos os dias.

     Sinto o seu reflexo nos meus olhos e isso já é o bastante para não querer descansar. Tenho vontade de contar que nunca mais fui compatível depois de você. Um dia, acho que liberdades são borboletas muito fracas, mas que amanhã se inclinarão sobre si mesmas e criarão qualquer ciclo muito importante. Outro dia, simplesmente não acho nada: o vidro, o concreto, os emborrachados, as sacolas plásticas e o lixo das esquinas não me dão tempo de pensar.

       Meu pensamento bombeia entre o desgaste e a euforia.

    No entanto, ainda enclausurada dentro de nossos próprios muros, tenho ciclos que revivem o meu sentimento que sai azul. Quilômetros de linhas que conseguem. De linhas que alcançam. Linhas que chegam longe, fora e ao outro lado. Eu sou uma das extremidades, enquanto, na outra, estão o resto dos sonhos, das liberdades e dos ventos. Onde as meninas que comem flores estarão sempre compatíveis. Sorridentes. E leves.

     Sai azul esse meu sentimento.


     Mariane Cardoso

4 comentários:

  1. Maaari, que saudade que eu tava daqui, que texto mais lindooo!! "Sinto o seu reflexo nos meus olhos e isso já é o bastante para não querer descansar. Tenho vontade de contar que nunca mais fui compatível depois de você."

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  2. "Meu pensamento bombeia entre o desgaste e a euforia."
    Tu descreve o que eu sinto e não sei descrever... Toda vez que "me perco" venho aqui, mesmo que não tenha nada novo. É fácil me reencontrar entre os teus escritos...
    Boa semana para ti.

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  3. Mari, consigo ver tanta coisa nas entrelinhas do que você escreve... As vezes até me vejo sabia? *_*

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  4. Ainda, depois de tanto tempo.. Continuo apaixonado pelas suas palavras.

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Alguma luz
vai escapando
e só eu
sinto.

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18. Menos artista, mais idosa. O prefácio, o retórico, o histórico, o profético, o pró, o fétido, o esplendor e tudo mais o que cabe no poético.