Nenhum outro vai saber dos sons que se formam e
o porquê de você sorrir com a mesma palavra que
faz o outro chorar. A gente vive pra ser secreta,
transposição e transbordamento, além da risca de
giz no nosso próprio telhado que goteja e inunda o
quarto trancado. E tudo isso vai morrer em segredo.


Une cruel incompréhension...



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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Cansaço eterno

      De carnaval, de horário de verão, de cinema 3D. De gente. Cansaço de um mundo onipresente que nenhum de nós ousou aceitar. Não importa quantos anos passem ou o quão reclusa eu fique. Todos os meus dias se confundem nas olheiras de um sono transtornado, de um sono interrompido pela vida que sequer nos chega aos pés.

      Não importa quantas versões suas você reconheça no espelho. Ao pegar as luvas no seu guarda-roupa cheio de pérolas, seu olhar é esse chão frio, essa pedra morta, essa mera ponte que caiu enquanto atravessar ainda era uma promessa. Não importa quantos livros enfeitem a cabeceira da sua cama, se o seu sonho foi vencido por um despertador digital que te constrange quarenta minutos antes de pisar na lama da rua. Da própria rua em que os sinais amarelos já não freiam como antes. Coisas que só o subconsciente poderia te mostrar, se você lembrasse do pesadelo da noite passada. Por isso eu não quero ser daqui. Eu quero ser do tempo em que o rádio pode ser ligado/desligado de acordo com a minha vontade. Mas já não importa quantos tiques de relógio sejam injetados na sua mania de fazer arte ou de iluminar o universo interior. Tudo vira pó. E não vira apenas pó, mas pó na mão de quem não entende (e nunca entenderá) que comida de verdade eu posso fazer com poesia.

     Eu tenho saudade de um mundo onde existiam mais vazios. Sim. Mais solidão, mais espaço onde nós éramos obrigados a agir por conta própria se quiséssemos ocupar o tempo. Eu tenho vontade de ser mais aflita, incisiva, iminente. Vontade de sentir agonia de todas as paredes brancas, e sujar o rosto de tinta, cuja vida não escorreria em forma de lágrima. Desejo, da forma mais árdua que você possa imaginar, esse pouquinho de explosão. Que o vácuo do mundo não crucificasse os meus sinos capazes de brilhar no escuro. Que ele não tivesse sugado todos os vazios.

     Teria gosto de sair na rua e de contar os passos das pessoas que atrapalham as folhas secas enquanto estas escrevem o elixir da morte no chão. Mas num mundo onipresente ninguém tem chance. Parecemos todos cansados. Eu pareço cansada. Eu sou cansada. E somos todos cegos ultra-conectados.

     Só queria que minhas asas não fossem cortadas assim tão perto do céu. Mas parece que os outdoors voam mais alto que eu.


Mariane Cardoso

3 comentários:

  1. Você não existe! Ou existe? É perfeita? Linda, lindo e perfeito blog.

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  2. Como escreve bonito, Mariane! Vezenquando me pego com certa vontade de ler algo profundo, que ultrapasse as linhas e toquem o coração, sabe? Toda vez que tenho essa necessidade, venho aqui. É bom, como se o o vazio que aqui carrego, fosse preenchido. Preenchido por palavras delicadas que exalam tranquilidade e reflexão... Enfim, eu gosto muitíssimo daqui.

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Alguma luz
vai escapando
e só eu
sinto.

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18. Menos artista, mais idosa. O prefácio, o retórico, o histórico, o profético, o pró, o fétido, o esplendor e tudo mais o que cabe no poético.