Nenhum outro vai saber dos sons que se formam e
o porquê de você sorrir com a mesma palavra que
faz o outro chorar. A gente vive pra ser secreta,
transposição e transbordamento, além da risca de
giz no nosso próprio telhado que goteja e inunda o
quarto trancado. E tudo isso vai morrer em segredo.


Une cruel incompréhension...



'

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

De Diane à Praça Principal

     Diane,

     Por favor, não durma antes de terminar sua resposta outra vez. Esse já é o final e você deve estar com o seu vestido cor-de-vinho que produz mais efeito que qualquer taça de álcool, aquele que marca sua cintura que eu beijei tantas vezes, que muitos já beijaram tantas vezes. Você deve estar sem as luvas de renda e com a boca vermelha. Você sempre deixa minhas cartas para o fim da noite. Mas hoje, meu amor, é o dia em que as noites morrem.

     Você já ouviu um tango com o seu nome? Eu também não. Mas, se dependesse do abismo dos seus olhos, com certeza teria ouvido um daqueles bem estranguladores. Você me assusta. E sei que deve estar com um sorriso sombrio enquanto me vê sufocar diante da sua sobriedade. Gostaria que fosse mais impulsiva, mais vulnerável ou que houvesse espaço, portas e truques para roubar seu controle. Assim como você roubou o meu. Sabe, há algum tempo, existiu uma grande fotógrafa e ela tinha o seu nome. Diane. Di-a-ne. "Para mim, o sujeito de uma fotografia é sempre mais importante que a fotografia. E mais complicado", foi o que ela disse. Eu não me importo com a vida que você leva. Eu não me importo com seus martinis e a sua arte de seduzir. Não me importo com o seu dinheiro ou a sua fama de puta mais cobiçada da região. Eu tenho até hoje a sua fotografia e eu nunca enxerguei além do seu sorriso escuro. Não me importo se cortou minhas asas repetidamente, e se disse não na mesma frequência que me beija. Apenas ceda. Uma única vez, me deixe levar você para o lugar onde os diamantes são tão podres quanto a terra batida da estrada a oeste. Uma única e mísera vez, me diga sim.

     Não é tarde. Sei que deve estar pensando que sou apenas um obcecado, maníaco, que não consegue esquecer porque a idade é pouca pras ideias que ele tem na cabeça. Eu não tenho o dinheiro que todos esses homens têm para comprar a luxúria. Mas eu digo, Diane, o que eu quero de você não há de ser pago na mesma moeda que eles usam. Amor é outro estágio: ou você acredita, ou não evolui. Então, você acredita que o meu futuro de pseudo-filósofo possa abocanhar você? Acredita que o meu faro e a minha lábia sejam suficientes para ganhar a mulher mais bonita de toda a cidade? Acredita que as minhas fichas estejam todas salvas para nossas próximas apostas? Aposto que as borboletas seguiriam sua pose de mulher que ganha do destino. É cedo e os caminhos são livres, as velas do seu quarto soltarão a mesma fumaça durantes muitas horas. Existem gatos pretos caminhando pelos muros ao redor e nenhum deles tem vidas de sobra, caminham com as unhas para fora, estão feridos, mas longe do chão. Os gatos escuros, a noite escura... Você irá ganhar de todos, porque nada cega mais do que ser enxergado por você.

     Agora, você deve estar querendo me atingir com o argumento que sempre me quebra. Não, nós não vamos viver de amor, Diane. Mas eu poderia morar na Praça Principal se você cedesse, se me acompanhasse. Seria o mendigo mais bem-sucedido de toda a nação. Venderia soluções sucintas para os problemas do mundo a duzentos centavos cada. Faria buquês de flores e os trocaria por qualquer presente que a fizesse desabotoar minha lucidez novamente. Eu saberia levar você para um lugar onde o cenário é vazio e suas noites nunca mais estariam vivas. E eu saberia fazê-la feliz. Então, Diane, ao mesmo tempo em que você lê minhas últimas palavras, eu estou recostado na parede dessa casa, esperando o seu único e milagroso sim. Sem malas ou passado, sem ativar a sua incrível capacidade de passar pelas frestas das minhas palavras, eu pergunto a você: Passagens são mais caras que diamantes? E sei que agora está entendendo que são. É preciso de muito acaso para funcionar. E você também precisa apostar nos caminhos livres.

     Encontre-me agora e aqui. Até o que sobra pode nos afetar. Corra, Diane, ou nos atrasaremos e começaremos a usar calendários para contar a distância que nos impede de sobreviver à custa de bons impulsos. Eu também quero capturar o que de mais assustador existe em você. Eu gosto do que me distrai. E do que me maltrata. Porque são esses mistérios que fazem com que, embora você seja inteiramente minha, continue pelo resto dos tempos não sendo. Ainda estou esperando. Venha.

Do seu falso-criativo, mas único verdadeiro amante.
-     

Mariane Cardoso

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Alguma luz
vai escapando
e só eu
sinto.

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18. Menos artista, mais idosa. O prefácio, o retórico, o histórico, o profético, o pró, o fétido, o esplendor e tudo mais o que cabe no poético.