Nenhum outro vai saber dos sons que se formam e
o porquê de você sorrir com a mesma palavra que
faz o outro chorar. A gente vive pra ser secreta,
transposição e transbordamento, além da risca de
giz no nosso próprio telhado que goteja e inunda o
quarto trancado. E tudo isso vai morrer em segredo.


Une cruel incompréhension...



'

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Dar Adeus


"Ande, vamos. Estão nos esperando. A vida está nos esperando."
                                                                          Carlos Ruiz Zafón




     Igual a querer alimentar a primavera inteira com uma única lágrima peralta. Faltam pedaços do campo onde os passos não cabem, onde as plantas esquecem de nascer porque o calor abandona, onde ninguém guarda lugar. Fica confirmado apenas o espaço em branco de que não seremos capazes de ocupar tudo, nem de contar as tulipas nos dedos. E falta fixação, pois esqueceremos. Sim, esqueceremos. Donos de mentes tão abstratas e flutuantes, desconexo fica o tempo em nossos relógios, os carinhos em nossa boca e as imagens no subconsciente. Esqueceremos porque a fraqueza em si é forte, apenas faz de nós pequenos. Esqueceremos porque o vulto que persiste não é suficiente. Porque é necessário, antes de tudo, sentir na pele e chamuscar. Porque o verão não é o melhor. Porque alma nasce pobre. Esqueceremos, pois as pétalas vão no vento. E ir embora é pré-requisito para viver, se espalhar para longe até parar na ressaca de algum outro destino. O beijo e a pedra, enganam-se, não ficam guardados no coração como antes. Dar adeus exige olhos fechados ou calcanhares rígidos. Cada um sabe no íntimo de si o que é deixar para trás. O palpite é encarar a rua, o chão é quente de asfalto e o centro é cercado e sem refresco. Atrás do olhar se esconde aquilo que os pedestres nunca haverão de saber, nem nós mesmos. Foi esquecido. E cansar os ombros é quase uma luz tangível nos dizendo para não desistir agora. Vão embora de uma vez. Vão na trilha. Vão nos postes. Vão nos detalhes deixados de lado, mas partam. Com consciência de matar as cicatrizes. Sabemos que elas não ficam e, se ficam, precisamos ver para saber. Vão na certeza de que é sem volta. E dizer até logo é símbolo. Tem que ser para fixar. Nem que seja a escolha. Nem que seja a nossa própria sabedoria mínima e mesquinha. Dizer adeus é revolucionar esses campos que não florescem jamais, negar os vazios e os desleixos tão mínimos durante o passeio na cidade. Esquecendo, ferimos profundamente o que ficou de imperceptível. Eu dou adeus como se a primavera viesse atrás. Dou adeus antes de ser eco. E não é apenas figurativo, nem mesmo falando de desabrochares. Eu esqueço a vida para não ser esquecida por ela.

     (Mariane Cardoso)

4 comentários:

  1. Menina grande, se esqueço da vida é para não virar lembrança. Se mato a beleza do jardim é porque as rosas hão de ser mais belas um dia, se me afogo é para ser lembrado como dádiva pelos que souberam da poesia mais funda que se teve, que se ecoou.
    (...)

    Saudades Mari :]

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  2. Você escreve assustadoramente bem, sim, você já ouviu isso. Continua menina, continua que tu vai longe. Você é uma das minhas escritoras favoritas, de verdade, admiro o que você escreve. E... "dramaturgia de uma figa" coloquei como título do meu blog, podia? (subjectoftime.blogspot.com) Parabéns, de verdade, parabéns.

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Alguma luz
vai escapando
e só eu
sinto.

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18. Menos artista, mais idosa. O prefácio, o retórico, o histórico, o profético, o pró, o fétido, o esplendor e tudo mais o que cabe no poético.